sábado, 16 de janeiro de 2010

Um caldeirão fascista efervescente em Itália e no Mundo...



Compreender as estruturas de dominação do homem pelo homem, a sua ligação intrínseca aos legados fascistas e a imposição “destrutiva” de uma condição humana fragmentada e dividida faz-me olhar para os tumultos de imigrantes em Itália como uma consequência final de um “lóbi neo-fascista” profundamente xenófobo que vem minando muitas consciências alienadas. Importa que a esquerda olhe para Itália e saiba encontrar mecanismos de luta e cooperação nacional e internacional contra o ressurgimento dos legados fascistas brutalmente opressores e xenófobos e que tenha a ousadia de reviver a memória.

Em Rosarno no Sul de Itália, a partir de terça-feira dia 17 a cidade ficou “branca”. Isto porque foram evacuados os 2500 africanos que ali se dedicavam a actividades agrícolas, que eram explorados numa condição de quase escravatura. Nesse dia um grupo de jovens Italianos disparou contra dois trabalhadores negros que iam ao supermercado – desde já é possível concluir que a reforma xenófoba que Berlusconi levou para a educação, infelizmente, está a dar frutos –, dando origem a um motim racial como já não se via há anos (desde a segunda Guerra). Isto só por si quer dizer muito, significa que cada vez mais se está a perder a memória colectiva da 2ª guerra mundial e isso é perigosíssimo.

Ao fim do dia, dezenas de trabalhadores africanos ocuparam estradas e protestaram contra os ataques raciais e a profunda exploração a que estavam submetidos, a título de exemplo dezenas de imigrantes viviam numa velha fabrica de azeite sem água electricidade ou camas e trabalhava 14 horas por dia… Os protestos radicalizaram-se e arremessaram-se pedras, caixotes, viraram-se automóveis… A isto deu-se uma resposta popular com a constituição de várias milícias que promoveram uma verdadeira “caça ao negro”.

Os slogans das milícias são bem elucidativos da “explosividade” da situação: “Qualquer preto escondido em Rosarno deve ir-se embora”, “se vos encontrarmos matamo-vos”. Não foram simplesmente ameaças porque uma casa rural de imigrantes foi incendiada com gasolina… Houve tiros e feridos, quase todos subsarianos.

A autoridade estatal chega e evacua à noite quase todos os negros para outras cidades do Sul e o incontornável ministro do interior Italiano afirma que os motins são fruto “de anos de excesso de tolerância”. Não referiu se essa tolerância tem a ver com o compadrio e a inércia perante os grupos mafiosos que se aproveitam dos imigrantes no sul de Itália ou se tolerância tem a ver com os supostos excessivos direitos dos negros: pela sua linha de actuação, a dedução é simples.

Este motim racial não nos pode passar ao lado, esperando outros acontecimentos para mais tarde pensarmos em fazer alguma coisa. Este motim é antes de mais um aviso.

Há uns tempos no rescaldo de uma conferência na Universidade da Beira Interior, um professor de ciência política comentava comigo: o que será da Europa quando se perder a memória colectiva da segunda guerra mundial, das suas causas, consequências, das suas lições. É cada vez mais importante fazer essa ligação. A perda, que se vem acentuando, da memória colectiva das lições da segunda guerra mundial faz com que este tipo de motins recomece a acontecer.

É aqui que a esquerda entra, ou devia entrar. Terão de ser encontrados mecanismos internacionais de resposta às ofensivas neo-fascistas, de oposição às reformas xenófobas e de reavivamento da história. Neste caso, a inoperância pode levar ao pior. Já está a levar com o ressurgimento de movimentos fascistas e nazis assumidos – em Portugal a Frente Nacional -, mas pode levar ainda mais, caso comece a haver uma aceitação social generalizada por eles produzida que tornam por exemplos os imigrantes como bodes expiatórios de todos os problemas, isso parece-me que já vai acontecendo.

É urgente um pensamento colectivo sobre isto, é pensar o presente pensando o passado, e pensar o passado pensando o futuro.


João Nuno Mineiro

Em: http://www.acomuna.net/content/view/319/1/

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