sexta-feira, 16 de abril de 2010

...Fresco e riquíssimo.


""Aos quinze anos tive icterícia. A doença começou no Outono e acabou na Primavera. Quanto mais frio e escuro se tornava o ano velho, mais eu enfraquecia. Só melhorei com o novo ano. Janeiro foi um mês quente, e a minha mãe levou-me a cama para a varanda. Via o céu, o sol, as nuvens, e ouvia as crianças a brincarem no pátio. Em Fevereiro, num final de tarde, ouvi cantar um melro.

Vivíamos na Rua das Flores, no segundo andar de um grande prédio do começo do século. O meu primeiro passeio levou-me à Rua da Estação. Foi ali que, numa segunda-feira de Outubro, no caminho da escola para casa, vomitei. Havia já muitos dias que me sentia fraco, tão fraco como nunca antes na minha vida. Cada passo era um esforço. Quando subia escadas, na escola ou em casa, quase não me sustinha nas pernas. Também não me apetecia comer. Mesmo quando sentia fome e me sentava à mesa, depressa ficava com repugnância pela comida. De manhã acordava com a boca seca e com a sensação de que as minhas vísceras pesavam mais do que o costume e que estavam mal arrumadas dentro do corpo. Envergonhava-me de estar tão fraco. E envergonhei-me sobretudo quando vomitei. Também isso nunca me acontecera na vida. A boca encheu-se de vómito, tentei engolir, apertei os lábios com força e tapei a boca com a mão, mas aquilo jorrou através dos dedos. Depois apoiei-me à parede de uma casa, olhei o vomitado aos meus pés e saiu-me ainda uma aguadilha clara.

A mulher que me ajudou fê-lo de uma maneira quase brutal.

Agarrou-me o braço e conduziu-me pela – escura entrada do prédio para um pátio. Em cima havia estendais com roupas penduradas de janela a janela. No pátio havia madeira empilhada; numa oficina com a porta aberta chiava uma serra e voavam estilhas. Ao lado da porta do pátio havia uma torneira. A mulher abriu-a, lavou-me primeiro a mão e depois recolheu água na concha das mãos e atirou-a para o meu rosto. Enxuguei a cara com o lenço.

– Leva o outro! – Ao lado da torneira estavam dois baldes, ela agarrou num e encheu-o. Peguei no outro e enchi-o, e depois segui-a pela entrada. A mulher balançou muito os braços, a água caiu de chapa no passeio e arrastou o vomitado para o esgoto. Tirou-me o balde da mão e atirou outra chapada de água sobre o passeio.

Endireitou-se e viu que eu chorava. – Miúdo – disse, surpreendida –, miúdo. – Abraçou-me. Eu era pouco mais alto do que ela, senti os seus seios no meu peito, no aperto do abraço cheirei o meu mau hálito e o suor fresco dela e não soube o que fazer com os braços. Parei de chorar.

Perguntou-me onde morava, deixou os baldes na entrada e levou-me a casa. Corria ao meu lado, com a minha pasta da escola numa mão e a outra mão no meu braço. A Rua da Estação não é muito longe da Rua das Flores. Caminhava depressa, e com uma determinação que me tornou mais fácil acompanhá-la. Despediu-se diante da minha casa.

Naquele mesmo dia, a minha mãe chamou o médico, que me diagnosticou icterícia. Num momento qualquer falei daquela mulher à minha mãe. Não acredito que de outra maneira a tivesse visitado. Mas para a minha mãe era natural que, logo que eu pudesse, iria comprar com o meu dinheiro um ramo de flores, apresentar-me e agradecer-lhe. Por isso, num dia do final de Fevereiro dirigi-me à Rua da Estação.""

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"à espera do fim..."

Um poema fantastico, uma melodia excepcional...

Insustentavelmente…

Por vez custa-nos no meio da desgraça pensar em responsáveis e responsabilidades. Mas sem a precisão dessa análise apenas estamos a dar frutos à inércia, à irresponsabilidade e não tirar conclusões que nos permitem atenuar novas desgraças, quiçá impedi-las. A catástrofe ambiental e social que neste momento atravessa o Brasil não pode passar em claro e merece uma reflexão. É certo que ninguém controla o clima, podemos agravá-lo ou tentar “normaliza-lo” mas a sua força é incontrolável.
Porém parece-me que os mais de uma centena de mortos no Brasil não são meramente fruto das fortes chuvadas… A esmagadora maioria das mortes são de favelas, das consideradas áreas de risco, onde o planeamento não existe, as construções são precárias e favorecem a acumulação das águas. A agravar a isto seguem-se os desmoronamentos.

Não seriam muitas destas mortes evitáveis com outro tipo de planeamento urbanístico e com outro tipo de políticas sociais? As mortes de todos estes pobres nas favelas são a consequência de um segregacionismo isolacionista que condena populações a condições de vida miseráveis em ambientes desestruturados que potenciam cheias e outros tipos de catástrofes.

A outra análise que me parece pertinente é a ineficácia deste modelo de globalização. Se a globalização fosse social, a resposta a catástrofes ambientais deste tipo seriam globais. Não seriam, como agora, meras migalhas para os estados ficarem bem na fotografia mas seriam respostas sérias. É impossível prever este tipo de situações, e uma globalização solidária passaria por os estados assumirem uma responsabilidade global e colectiva de resposta às catástrofes ambientais dos estados, dinamizando esforços reais e sérios.
Mas a globalização económica e resolver catástrofes naturais não é assim tão lucrativo.

Será comparável o dinheiro que os estados colocam no Brasil quando encontram uma oportunidade de mercado, com o dinheiro que colocam quando centenas morrem em catástrofes ambientais?

O neoliberalismo não responde às pessoas !

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Inversão de prioridade...


Lê-se no Público que os Estados Unidos um ano depois já não ajudam a economia. Afinal toda a pompa e circunstância da Cimeira de Londres foi mero ShowOff, com Obama a aparecer como uma mera imagem de marketing, que apesar de renovada não esconde a sua verdadeira face.
A verdade é que a cimeira do G20 só foi isso: imagem de marketing.
Os mais distraídos pensariam que tínhamos voltado ao Keynesianismo e às políticas “Roosveltianas”, mas não... Um ano após a cimeira do G20 a prioridade já não é a economia, já não são os bancos, a regulação, a injecção de dinheiro, ou o (falso) combate ao desemprego; a prioridade agora são as contas públicas e os défices.


Enquanto as prioridades mudavam impulsionadas pelos lobbies que usaram a cimeiro do G20 como uma máscara, o Mundo assistiu a consecutivos ataques aos direitos das pessoas. O desemprego prolifera, a precariedade generaliza-se, as privatizações surgem com a “solução possível”, os pobres são criminalizados, os apoios sociais reduzidos, os salários congelados, e até se pensa em negar ajuda a um país da zona euro.

Por muitos combates e vitórias que tenhamos tido a burguesia está sempre um passo à frente. Conseguiu em tempos de crise financeira e desconfiança no sistema capitalista refortalecer-se e ganhar um novo fôlego… Resistiremos, não sairá vitoriosa!!!


Razão tinham os milhares que ficaram à porta da cimeira...

João Mineiro
em, adeuslenine.blogspot.com